Poder Judiciário deve superar o entendimento de que é prescindível lei complementar para Difal-Contribuintes
Em 24 de fevereiro de 2021, os contribuintes conquistaram uma importante vitória no Supremo Tribunal Federal (STF): a declaração de inconstitucionalidade do diferencial de alíquota de ICMS devido nas operações interestaduais com destinatários não contribuintes do ICMS, o chamado “Difal-Não Contribuintes”.
O Difal-Não Contribuintes foi previsto na Emenda Constitucional 87/2015, com o propósito de repartir, entre os estados de origem e destino, o ICMS nas remessas interestaduais a não-contribuintes, que até então ficava inteiramente com a unidade federativa de origem.
Sua cobrança foi, então, diretamente disciplinada pelo Convênio ICMS 93/2015, celebrado entre os Secretários de Estado de Fazenda dos estados e Distrito Federal. As regras gerais de instituição do tributo, no entanto, não foram objeto de lei complementar, como determina a Constituição da República para todas as formas de cobrança do ICMS (art. 155, §2º, XII).
Conforme explica a doutrina, embora a cobrança do ICMS seja estadual, “não há dúvida de que a legislação que o condiciona é necessariamente nacional, exatamente porque as operações mercantis em grande parte se sucedem numa cadeia que começa e termina em diversas unidades da Federação”. A exigência de lei complementar, nesse sentido, constitui instrumento de preservação do pacto federativo.
Diante da ausência de lei complementar na regulação do Difal-Não Contribuintes, o STF declarou sua inconstitucionalidade por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 1.287.019. Na oportunidade, fixou a seguinte tese: “a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais“.
Há, porém, a nosso ver, bons argumentos para sustentar a extensão da mesma tese também ao diferencial de alíquota de ICMS devido nas operações interestaduais com adquirentes contribuintes do ICMS, o “Difal-Contribuintes”.
Ao contrário da autorização para instituição do Difal-Não Contribuintes, que, como visto, veio à luz por emenda constitucional em 2015, a autorização para instituição do Difal-Contribuintes é iniciativa do constituinte originário. Da mesma forma, consta da redação original da Constituição da República a exigência de lei complementar para veiculação das normas gerais sobre o ICMS.
O constituinte originário autorizou, provisoriamente, a disciplina do Difal-contribuintes por meio de convênio. Ciente da complexidade do processo legislativo, estabeleceu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT que, caso a lei complementar não fosse editada no prazo de sessenta dias da publicação do texto constitucional, os estados e o Distrito Federal poderiam celebrar convênio para regular provisoriamente o tema (art. 34, §8º do ADCT).
Não sobrevindo lei complementar no prazo, os estados e o Distrito Federal celebraram então, em 16 de dezembro de 1988, o Convênio ICMS 66/1988, que instituiu as normas gerais concernentes ao ICMS e tratou expressamente do Difal-Contribuintes.
Anos depois, o Congresso Nacional finalmente editou a Lei Complementar 87/1996, destinada a estabelecer as regras gerais de cobrança do ICMS. A Lei Complementar 87/1996, contudo, nada dispôs sobre o Difal-Contribuintes.
Independentemente do motivo, fato é que o silêncio do Congresso Nacional a respeito do Difal-Contribuintes retirou dos estados e do Distrito Federal a possibilidade de cobrança do tributo.
A edição de lei complementar pelo Congresso Nacional, como determinado pela Constituição da República, implicou exaurimento da autorização conferida pelo ADCT aos Estados e Distrito Federal para disciplina do ICMS por meio de convênio.
Conforme explica a doutrina o art. 34, §8º do ADCT possuía “aplicabilidade transitória, temporária e limitada, afastada pela edição da Lei Complementar nº 87/96, que definiu o regramento geral do ICMS”.
Desde a publicação da Lei Complementar 87/1996, portanto, todas as normativas que a contrariavam ou extrapolavam perderam seu fundamento de validade, estando, por conseguinte, maculadas pelo vício da inconstitucionalidade.
A exigência constitucional de início do fluxo de positivação em matéria tributária por meio de lei complementar já havia sido tratada pelo STF em diversas oportunidades.
Em 2013, no Recurso Extraordinário 439.796, o Pleno analisou a cobrança do ICMS-Importação de não contribuintes, oportunidade em que apontou as três etapas legislativas para a instituição de tributos: (a) previsão da competência material na Constituição da República; (b) edição de lei complementar veiculando as regras gerais; e (c) edição de norma local pelo ente federativo instituindo a exação.
Em 2015, no Recurso Extraordinário 580.903 AgR, a Primeira Turma consignou expressamente que a instituição do Difal depende de previsão em lei complementar.
Daí ser possível afirmar que a conclusão a que o STF chegou no Recurso Extraordinário 1.287.019 pode, ou melhor, deve ser aplicada ao Difal-Contribuintes. Seus respectivos cenários normativos são, naquilo que importa, idênticos: ambos têm previsão constitucional; ambos estão disciplinados em convênio ICMS; nenhum deles tem previsão em necessária lei complementar.
A única diferença é que o Difal-Contribuintes tem previsão no ADCT, a qual, porém, perdeu eficácia com a edição da Lei Complementar 87/1996.
Diante do exposto, espera-se que o Poder Judiciário supere posicionamentos como o esposado, por exemplo, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Agravo de Instrumento nº 2264587-52.2019.8.26.0000, em que considerou prescindível a edição de lei complementar para a exigência do Difal-Contribuintes.
No caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que o fundamento de validade do Difal-Contribuintes seria extraído diretamente do texto constitucional, o que, como visto, o STF rechaça veementemente.
Fonte: JOTA.info
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