Cresceu no Supremo Tribunal Federal (STF) o apoio à tese da Fazenda Nacional no sentido de proibir que empresas tomem créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre insumos isentos vindos da Zona Franca de Manaus. Em julgamento nesta quarta-feira (24/4), dois ministros votaram de forma favorável à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A procuradoria estima impacto fiscal de R$ 16 bilhões em caso de derrota.
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A Corte analisa o tema em dois processos – no RE 592891, com repercussão geral reconhecida, e no RE 596614 – para permitir que todos os ministros se posicionem sobre a controvérsia tributária. Considerando os votos proferidos em ambos os processos, a tese dos contribuintes conta com três votos e o posicionamento da Fazenda, com dois.
Considerando os dois processos, placar está em 3×2 a favor dos contribuintes
No caso com repercussão geral reconhecida, o ministro Luiz Fux se declarou suspeito e o ministro Marco Aurélio, impedido. Embora os dois processos estivessem em pauta na tarde desta quarta-feira, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, colocou em julgamento apenas o RE 596614, que permite a participação de todos e cujo relator é o ministro Marco Aurélio.
A expectativa é que a tese seja definida no RE 596614 e aplicada ao RE 592891, cuja repercussão geral foi reconhecida. Entretanto, os ministros ainda vão decidir sobre esta questão processual ao final do julgamento.
Na sessão desta quarta-feira (24/4), os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes votaram de maneira a proibir o crédito, inaugurando o apoio à tese fazendária. A favor do contribuinte, posicionaram-se os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso. No RE com repercussão geral, Barroso, Fachin e a ministra Rosa Weber já haviam se manifestado a favor do creditamento em 2016.
Toffoli suspendeu a sessão às 18h e sinalizou que a discussão sobre o tema será retomada na quinta-feira (25/4). Segundo o presidente da Corte, o caso será o primeiro item da sessão, que se inicia às 14h.
Votos dos ministros
Primeiro a votar, o ministro Marco Aurélio frisou que a jurisprudência da Corte impede o creditamento de insumos isentos, não tributados e sujeitos à alíquota zero, de forma a preservar o princípio da não-cumulatividade. Ou seja, se não houve recolhimento na etapa anterior, as empresas não podem tomar os chamados créditos ‘fictos’, ou ‘fictícios’.
Para Marco Aurélio, nem a Constituição nem a legislação relativa à zona franca estabelecem expressamente o direito ao crédito por insumos isentos, que na visão do magistrado constituem um benefício fiscal. “Não cabe ao órgão julgador avançar no campo do benefício justamente onde o texto constitucional não o fez”, afirmou.
O ministro também argumentou que permitir o creditamento de insumos isentos beneficiaria, às custas dos contribuintes, empresas situadas fora da Zona Franca de Manaus.
A possibilidade de crédito tornaria a zona franca região de produção de insumos, mas não tão atrativa para indústrias voltadas ao produto final, que agregam maior valor ao bem e consequentemente geram mais riqueza no território. O benefício fiscal […] não deve irradiar pelo território por meio de planejamentos tributários Ministro Marco Aurélio, do STF
Na mesma linha, o ministro Alexandre de Moraes negou que o Supremo deva abrir uma exceção para a Zona Franca de Manaus contra o entendimento geral da Corte. O magistrado avaliou que a permissão dos créditos afastaria da capital amazonense companhias que realizem o ciclo completo de industrialização.
Ainda, Moraes afirmou que os créditos prejudicam a concorrência, por privilegiarem indevidamente as companhias com produção em escala, capazes de arcar com o custo de segregar a industrialização em etapas a fim de produzir os insumos em Manaus.
Com esse creditamento acaba-se matando toda a concorrência possível de pequenas empresas em outros estados […]. É algo que se desvirtuou porque não gerou mais emprego, não gerou mais renda. […] Não há nenhuma vantagem na interpretação de que nesse caso específico deve ser feita uma exceção ao precedente Ministro Alexandre de Moraes, do STF
Na sequência, o ministro Edson Fachin reiterou o voto favorável às empresas proferido no RE 592891, com repercussão geral reconhecida. Para Fachin, a Constituição determinou um tratamento fiscal diferenciado à Zona Franca de Manaus, o que justificaria que o Supremo determine uma exceção à técnica da não-cumulatividade.
O ministro baseou o voto em valores promovidos pela área de livre comércio, como a soberania nacional, a integração entre as regiões brasileiras, a redução de desigualdades regionais, a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico. “A relevância da Zona Franca de Manaus persiste, e aqui faço referência às emendas constitucionais nº 42/2003 e 83/2014 [que prorrogaram a vigência da zona franca]”, disse.
Por fim, o ministro Luís Roberto Barroso ponderou que o tema é tipicamente econômico e, como política pública, deveria ser decidido pelo legislador. Na falta de lei específica, Barroso disse que a Constituição instituiu tratamento fiscal diferenciado para a zona franca. Nesse sentido, para Barroso, não haveria um benefício fiscal efetivo se o adquirente dos insumos não pudesse tomar os créditos sobre insumos isentos.
Não tenho simpatia por desonerações, subsídios, como regra geral. Acho que em regimes de livre iniciativa o Estado deve regular intervindo o mínimo possível, salvo quando acha que particularmente deva intervir. E eu não tenho outro exemplo mais significativo de desejo de intervir na ordem econômica que a Zona Franca de Manaus Ministro Luís Roberto Barroso, do STF
A ministra Rosa Weber ainda não se posicionou no RE 596614. Entretanto, é relatora do RE 592891, no qual se manifestou pela permissão aos créditos. Contando o voto de Weber, o placar está em 3×2 para permitir o creditamento do IPI.
Argumentos das partes
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Constituição não justifica que o Supremo crie para a zona franca uma exceção à própria jurisprudência – em regra, o Supremo entende que nenhuma empresa pode tomar crédito se o bem não foi tributado na etapa anterior. Permitir o crédito no caso da Zona Franca de Manaus criaria, na visão da procuradoria, um benefício fiscal sem previsão expressa da Constituição nem da lei.
A procuradora da Fazenda Nacional Luciana Miranda Moreira acrescentou que o crédito beneficiaria empresas situadas fora de Manaus, e que os produtos vindos da zona franca já ganham competitividade em relação aos oriundos do resto do país devido às desonerações promovidas na zona de livre comércio.
Pretende-se conceder aos adquirentes de insumos da Zona Franca de Manaus um benefício fiscal sem lei que o suporte, sem estudo de impacto fiscal, sem respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal Luciana Miranda Moreira, procuradora da Fazenda Nacional
Já o advogado Leo Krakowiak, representante do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), organização incluída no processo na condição de interessada, defendeu que o crédito específico da Zona Franca de Manaus não decorre do princípio da não-cumulatividade tributária, mas tem natureza de incentivo ao desenvolvimento regional, com finalidade extrafiscal de incentivar a preservação da Amazônia.
Para o tributarista, impedir o crédito afastaria as empresas do pólo industrial de Manaus por igualar as companhias situadas no Amazonas àquelas que não arcaram com o custo de transferência para a região Norte. Assim, segundo Krakowiak, a proibição tornaria letra morta a determinação constitucional de conferir tratamento fiscal diferenciado à zona franca.
Importante notar que normas gerais fiscais e extrafiscais especiais têm âmbito de atuação diverso, não conflitam entre si. A isenção do IPI decorre do decreto-lei nº 288 [que criou a zona franca], sendo que o incentivo regional assegura o crédito para não ser anulada a isenção Tributarista Leo Krakowiak
Já o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, negou haver na Constituição ou na legislação algum fator que permita discriminar a Zona Franca de Manaus das demais regiões do país no que diz respeito à tomada de créditos quando não há pagamento de tributos na etapa anterior.
Para Jacques, o legislador pode determinar o crédito de insumos isentos na capital amazonense. Mas, enquanto isso não acontece, essa interpretação não decorreria automaticamente da natureza do tributo. “Não há fundamento na Constituição para que esse entendimento seja fossilizado em favor da zona franca”, disse.
Setor de refrigerantes
A discussão tributária tem especial impacto no setor de refrigerantes. Na sustentação oral, a procuradora da Fazenda Nacional Luciana Miranda Moreira afirmou que grupos econômicos instalam empresas na Zona Franca de Manaus para vender o concentrado isento com sobrepreço, de forma que o insumo gere crédito para as compradoras. A procuradora disse que, embora o refrigerante não seja um item essencial para a sociedade, no país não há benefício fiscal que se compare à produção das bebidas açucaradas.
Lutamos há anos com o IPI negativo das grandes líderes do setor de concentrados. O contribuinte brasileiro está financiando os líderes do setor Luciana Miranda Moreira, da PGFN
Já o advogado Leo Krakowiak, representante do Cieam, afirmou que sem o direito ao crédito ocorreria um esvaziamento da zona franca, já que os incentivos fiscais são o motivo pelo qual as empresas se transferiram para a região que impõe maiores custos logísticos.
Krakowiak afirmou que as cerca de 500 empresas instaladas na capital amazonense, de diversos setores econômicos, geram 500 mil empregos diretos e indiretos, além de reduzirem o desmatamento da floresta amazônica.
Sem creditamento e benefícios, as empresas fechariam as portas. Isso geraria grande desemprego, ameaçaria nossa soberania e segurança nacional, e até mesmo o desmatamento iria acontecer Leo Krakowiak, advogado
Por outro lado, o advogado Oksandro Gonçalves, da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), afirma que os créditos beneficiam apenas a Coca-Cola e a Ambev. Para a associação, que representa produtores nacionais, as empresas brasileiras não conseguem arcar com os custos logísticos de instalar parte da produção na zona franca. Impossibilitados de comprar o concentrado isento, os produtores locais sofreriam uma concorrência desleal das multinacionais.
“Neste processo nós não estamos debatendo todas as fábricas da zona franca. O que se debate nesse plenário é: a Coca-Cola e a Ambev podem creditar-se dos insumos de concentrados de refrigerante adquiridos da zona franca? Não estamos debatendo 400 ou 500 empresas”, disse.
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