RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.
A interposição do recurso extraordinário com fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal, em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/1988, do art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e do art. 43, II, § 1º, do CTN por tribunal regional federal constitui circunstância nova suficiente para justificar, agora, seu caráter constitucional e o reconhecimento da repercussão geral da matéria relativa a incidência do imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre a taxa SELIC na repetição do indébito.
MANIFESTAÇÃO
União interpõe recurso extraordinário fundado na letra b do permissivo constitucional contra acórdão com o qual o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, com base em julgamento da Corte Especial na Arguição de Inconstitucionalidade nº 5025380-97.2014.4.04.0000, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713, de 1988, do art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, e do art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172, de 1966), de forma a afastar a incidência do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito.
O acórdão da arguição de inconstitucionalidade foi assim ementado:
TRIBUTÁRIO. IRPJ E CSLL SOBRE JUROS SELIC. INCONSTITUCIONALIDADE, PARCIAL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 1º DO ART. 3º DA LEI Nº 7.713/88, DO ART. 17 DO DECRETO-LEI Nº 1.598/77, E DO ART. 43, INC. II E § 1º, DO CTN (LEI Nº 5.172/66). AFRONTA AO INC. III DO ART. 153 E AO ART. 195, INC. I, 'C', AMBOS DA CF. 1. A Corte Especial deste Regional, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000 (em 24-10-2013), afastou a incidência do IR sobre os juros de mora, excepcionando, no entanto, os juros SELIC recebidos pelo contribuinte. 2. A taxa SELIC, a partir de 01-01-1996, é o único índice de correção monetária e de juros aplicável no ressarcimento de indébito tributário, a teor do disposto no § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250/95. Nesse sentido o entendimento do STJ, em sede de sede de Recurso Repetitivo (art. 543-C do CPC/73). 3. Em relação aos juros de mora (presentes na taxa SELIC), a Corte Especial deste Regional, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000 (em 24-10-2013), já definiu que não pode incidir o IR, dada a sua natureza indenizatória, sendo este entendimento em tudo aplicável à incidência da CSLL. 4. No tocante à correção monetária (também inclusa na taxa SELIC), esta tem como objetivo a preservação do poder de compra em face do fenômeno inflacionário, não consistindo em qualquer acréscimo patrimonial. 5. A incidência do IR e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito, via de consequência, afronta o disposto nos arts. 153, inc. III, e 195, inc. I, 'c', da CF. 6. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade conhecido e, no mérito, acolhido para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, do art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77, e do art. 43, inc. II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de forma a afastar da incidência do imposto de renda (IR) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito (TRF4, ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5025380-97.2014.404.0000, Corte Especial, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, JUNTADO AOS AUTOS EM 28/10/2016).
Em preliminar de repercussão geral devidamente fundamentada, a União alega que, a partir do acolhimento da arguição de inconstitucionalidade pela Corte Especial do Tribunal regional, a questão jurídica passa a ter repercussão geral. Aduz que a análise da repercussão geral em recursos extraordinários interpostos pela alínea a do permissivo constitucional se dá de maneira diferente daquela feita nos recursos interpostos pela alínea b, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade de lei federal ou tratado por um tribunal gera desequilíbrio mais drástico na federação, pois enseja, no espaço de abrangência desse tribunal, a inaplicabilidade de uma lei que, por sua natureza, deve vigorar em todo o território nacional.
No mérito, a União sustenta haver afronta aos arts. 153, inciso III, e 195, I, c, da Constituição, que enunciam a competência da União para a instituição do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro. Aduz que as normas constitucionais tidas por violadas não definem a base de cálculo dos mencionados tributos, a qual deve ser definida pelo legislador infraconstitucional, o que foi feito pelo CTN e pela legislação ordinária. Defende ser imprescindível interpretar as indenizações em análise com fulcro na expressão do art. 43, II do CTN: proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais Refere que a matéria já foi julgada, em sede de repetitivo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de modo favorável à tese de que os juros de mora incidentes na repetição do indébito tributário têm natureza de lucros cessantes, conforme o REsp nº 1.138.695/SC.
Alega que o texto constitucional não traz um conceito definido de lucro e que seu conteúdo deve ser extraído da legislação infraconstitucional, notadamente do art. 2º e 6º da Lei nº 7.689/88 e do art. 57 da Lei nº 8.981/95 (em relação à CSLL). Segundo entende, se os juros de mora/SELIC havidos na repetição de indébito devem ser tributados pelo IRPJ, também o devem ser pela CSLL, por força do art. 17 do Decreto-lei nº 1.598/77, tido pelo Tribunal regional como não recepcionado pela Constituição de 1988, bem como do art. 373 do Decreto nº 3.000/99 RIR/99, assim como do art. 9º, § 2º[,] do Decreto-lei nº 1.381/74 e do art. 161, IV do RIR/99 (explícitos quanto à tributação dos juros de mora em relação às empresas individuais), não havendo qualquer ofensa às regras de competência dos arts. 153 e 195 da Constituição.
Prossegue, discorrendo sobre a distinção entre danos emergentes e lucros cessantes, componentes das perdas e danos. Segundo entende, a parcela dos juros de mora na repetição do indébito tributário tem natureza de lucros cessantes. Acrescenta que, sendo tributável o principal, legítima seria a tributação da correção monetária e também dos juros de mora, diante da regra de que o acessório segue o principal.
Em contrarrazões, a parte recorrida requer o sobrestamento do presente recurso, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu repercussão geral da questão sobre a incidência de imposto de renda sobre juros de mora recebidos por pessoa física nos autos do RE nº 855.091 (Tema 808), de minha relatoria. No mérito, articula com a natureza indenizatória dos juros de mora, com natureza de dano emergente, diferentemente dos juros compensatórios.
É o relatório. Passo a me manifestar.
Nos autos do RE nº 855.091, de minha relatoria, o Plenário da Corte, por meio eletrônico, reconheceu a repercussão geral do tema atinente à incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos por pessoas físicas a título de juros de mora legais acrescidos às verbas remuneratórias em função de atraso no pagamento, o que, a princípio, sugeriria o sobrestamento do presente recurso extraordinário até o julgamento do paradigma, em razão de pontos convergentes entre as teses suscitadas lá e aqui.
Não desconheço, ademais, a existência de precedentes da Corte concluindo pela natureza infraconstitucional de controvérsias envolvendo a incidência de IRPJ e CSLL sobre parcelas de juros moratórios. No caso concreto, o Tribunal regional, por seu órgão especial, declarou a inconstitucionalidade, sem redução de texto, de normas federais reguladoras da tributação das pessoas jurídicas em geral, com impacto nas bases de cálculo da CSLL e do IRPJ (art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88; art. 17, do Decreto-lei nº 1.598/77 e art. 43, inciso II e § 1º, do CTN). Acresce-se que também foi objeto do julgamento regional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a correção monetária, a qual, tal qual os juros de mora, compõe a taxa SELIC, legalmente incidente na repetição do indébito tributário.
Como o recurso foi interposto pela letra b do permissivo constitucional, fato, por si só, suficiente para revelar a repercussão geral da matéria constitucional, cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar a matéria de fundo e dar a última palavra sobre a constitucionalidade das normas federais.
É de se aplicar, assim, o mesmo entendimento sobre a repercussão geral manifesto no RE nº 614.232/RS-AgR-QO, Relatora a Ministra Ellen Gracie (DJe de 4/3/11), cuja ementa transcrevo:
TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE VALORES RECEBIDOS ACUMULADAMENTE. ART. 12 DA LEI 7.713/88. ANTERIOR NEGATIVA DE REPERCUSSÃO. MODIFICAÇÃO DA POSIÇÃO EM FACE DA SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. 1. A questão relativa ao modo de cálculo do imposto de renda sobre pagamentos acumulados - se por regime de caixa ou de competência - vinha sendo considerada por esta Corte como matéria infraconstitucional, tendo sido negada a sua repercussão geral. 2. A interposição do recurso extraordinário com fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal, em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade parcial do art. 12 da Lei 7.713/88 por Tribunal Regional Federal, constitui circunstância nova suficiente para justificar, agora, seu caráter constitucional e o reconhecimento da repercussão geral da matéria. 3. Reconhecida a relevância jurídica da questão, tendo em conta os princípios constitucionais tributários da isonomia e da uniformidade geográfica. 4. Questão de ordem acolhida para: a) tornar sem efeito a decisão monocrática da relatora[,] que negava seguimento ao recurso extraordinário com suporte no entendimento anterior desta Corte; b) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional; e c) determinar o sobrestamento, na origem, dos recursos extraordinários sobre a matéria, bem como dos respectivos agravos de instrumento, nos termos do art. 543-B, § 1º, do CPC.
Diante do exposto, manifesto-me pela existência de matéria constitucional e pela repercussão geral do tema, submetendo o caso à apreciação dos demais Ministros da Corte.
Publique-se.
Brasília, 23 de agosto de 2017.
Ministro Dias Toffoli
Relator
Documento assinado digitalmente
Parecer da PGR (clique aqui)
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