Assunto chegou ao STF, que em julgamento finalizado na última sexta considerou o tema infraconstitucional
Duas secretarias do Ministério da Economia defenderam o fim da inclusão dos custos com serviços de capatazia – que compreende a carga, descarga e manuseio de mercadorias em portos e aeroportos – da base de cálculo do Imposto de Importação (II). De acordo com nota técnica da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade e da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade, a inclusão da taxa contribui para o aumento dos custos de importação, com “impactos negativos sobre a competitividade da economia do país, sobre o PIB e sobre o nível de emprego”.
Atualmente, com respaldo em uma decisão tomada em recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), as empresas devem incluir a capatazia na composição do valor aduaneiro. O tema chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), porém em julgamento finalizado na última sexta-feira (19/3) os ministros consideraram que o tema é infraconstitucional, e não será analisado pela Corte superior.
O cálculo do valor aduaneiro é disciplinado em diversas normas, entre elas o Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), os decretos 2.498/1998 e 6.759/2009 e a Instrução Normativa 327/2003.
De um lado, as empresas defendem que a capatazia não integra o valor aduaneiro sob o argumento de impossibilidade de computar os gastos depois da descarga da mercadoria no porto brasileiro. A Fazenda Nacional, por outro, argumenta que os gastos com capatazia acontecem antes do fato gerador do Imposto de Importação, que é o registro da Declaração de Importação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
O fato de o registro da declaração ser feito após a chegada e descarga da mercadoria, segundo a nota técnica, “não legitima a inclusão das despesas de descarga na base de cálculo do Imposto de Importação, cuja materialidade se reporta à entrada da mercadoria no território nacional”.
O documento ressalta que a própria inclusão dos custos de capatazia no valor aduaneiro é facultada ao país, conforme prevê o artigo 8º do Acordo de Valoração Aduaneira (AVA). Outros gastos relacionados ao transporte e ao seguro das mercadorias importadas também são facultativos, e a retirada deles da base de cálculo do Imposto de Importação também poderia ser avaliada, sugerem os secretários.
No mesmo artigo do acordo, há a possibilidade de adotar uma base “mais enxuta” para o cálculo, aponta a nota técnica. “Essa possibilidade está na opção de não inclusão dos gastos com transportes e seguro no cômputo do valor aduaneiro. Assim, seria possível ter como base de cálculo do imposto de importação apenas o preço FOB da mercadoria, que inclui somente as despesas até o embarque da mercadoria no porto ou ponto de saída do país exportador, excluindo-se todas as despesas a partir desse ponto”.
Outra sugestão trazida é para alterar a Instrução Normativa SRF 327/03, editada pela Receita Federal. A ideia é deixar explícita a exclusão dos custos de capatazia do valor aduaneiro para garantir segurança jurídica e previsibilidade nas operações de comércio exterior.
Em números
A nota técnica usa como base levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para corroborar o argumento da retirada da capatazia. Segundo a pesquisa da Confederação, a medida adicionaria R$ 134,5 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB), ampliaria o fluxo de comércio em R$ 90 bilhões e o investimento estrangeiro direto no Brasil em R$ 53,8 bilhões até 2040.
Outro dado da aponta que bens de capital e alimentação teriam as maiores contribuições para o PIB com a retirada da capatazia do valor aduaneiro. Para o setor de capitais a medida geraria um acréscimo de R$ 3,6 bilhões ao PIB no acumulado dos próximos 20 anos, e no de alimentação o valor seria de R$ 2,4 bilhões. Para siderurgia e construção o acréscimo seria de R$ 1,8 bilhão.
O estudo aponta ainda que a inclusão dos serviços no valor aduaneiro aumenta em até 1,5% nos tributos sobre a importação. Sob o ângulo das secretarias do Ministério da Economia, o fim da cobrança da capatazia poderá ter impacto significativo como medida de abertura comercial.
“Em um cenário em que o Governo brasileiro trabalha com uma proposta de redução da Tarifa Externa Comum (TEC) junto aos países sócios do Mercosul em torno de 6 pontos percentuais em quatro anos (fonte: Valor Econômico), a redução de 1,5% advinda da mudança do método de cálculo do valor aduaneiro seria equivalente a 25% da abertura comercial que se almeja”, diz a nota técnica.
Infraconstitucional
O tema passou recentemente pelo STF, que após analisar dois recursos em plenário virtual considerou que o assunto é infraconstitucional. Tratavam-se dos ARE 1.298.840 e ARE 1.305.313, dois agravados interpostos contra posicionamento do Supremo que negou o julgamento do assunto.
O relator, ministro presidente Luiz Fux, votou por rejeitar os agravos e condenar a parte agravante ao pagamento de multa de 5% do valor atualizado da causa caso seja unânime a votação. Além disso, o magistrado aumentou os honorários advocatícios ao máximo legal em desfavor da parte agravante.
Para Fux, “o acolhimento da pretensão da parte agravante demandaria a análise de legislação infraconstitucional pertinente, o que se mostra de inviável ocorrência no âmbito do recurso extraordinário”.
Todos os ministros acompanharam Fux. A única divergência é do ministro Marco Aurélio quanto à majoração dos honorários advocatícios.
O advogado Fabio Brun Goldschmidt, sócio do escritório Andrade Maia, afirmou que a decisão é “como um capítulo ruim para os contribuintes, mas como novela ainda não acabou”. Ele explica que a contribuinte não deve recorrer, mas defende que a questão vai chegar ao STF porque desde a Emenda Constitucional 33/2001 introduziu-se o conceito de valor aduaneiro, que vem gerando muitas controvérsias jurídicas, de modo que o STF deverá uniformizar o entendimento.
Na análise da advogada Maria Danielle Rezende de Toledo, especialista na área de contencioso tributário e aduaneiro do escritório Lira Advogados, um precedente do STF indicando que a matéria não tem aspecto constitucional é desfavorável aos contribuintes importadores. “Uma vez encerrada [a discussão] no STJ, poderia ter desfecho diferente a análise pelo STF, especialmente pelos pontos da violação ao princípio da legalidade e a bitributação da capatazia pelo Imposto de Importação e pelo ISS”, afirma.
Mudança jurisprudencial
Até o início do ano passado as decisões judiciais costumavam ser favoráveis ao contribuinte, inclusive no STJ. Como lembra a nota técnica, a matéria já havia sido pacificada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em 2016, o tribunal passou a prever em Súmula o entendimento de que “o custo dos serviços de capatazia não integra o ‘valor aduaneiro’ para fins de composição da base de cálculo do imposto de importação.”
No entanto, o julgamento na 1ª Seção do STJ em março foi crucial para reacender a discussão. Na ocasião, o colegiado mudou a interpretação em vigor e passou a considerar que o serviço de capatazia deve ser incluído na base de cálculo do Imposto de Importação.
Foram analisados pela Corte três recursos, que seguiram a sistemática dos recursos repetitivos. Com isso, o entendimento firmado deve servir de diretriz para as instâncias inferiores. (Resp 1.799.306, 1.799.308 e 1.799.309).
Venceu o entendimento de que a inclusão da capatazia é prevista nas diversas normas. O ministro Francisco Falcão, que redigiu o voto vencedor, afirmou que as normas definem que “para a composição do valor aduaneiro, serão incluídas as despesas realizadas até o porto ou local de importação, incluídas as que se realizarem no porto ou local de importação”.
Fonte: Jota
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