Pedidos de postergação das obrigações levados ao Judiciário no início do surto poderiam gerar um rombo superior a R$ 355 bi, segundo estimativa da Procuradoria da Fazenda
A Receita Federal rejeitou uma tese usada por contribuintes para tentar, no Judiciário, postergar o pagamento de impostos durante a pandemia — antes de o governo autorizar o adiamento de alguns deles por meio da Portaria nº 139, de 3 de abril. Por meio de duas soluções de consulta, o órgão entendeu que não pode ser aplicada, em meio à crise, a Portaria nº 12, que trata de calamidade pública.
Pelas soluções de consulta nº 131 e nº 4.025, editadas neste mês, respectivamente, pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) e pela Divisão de Tributação (Disit), a portaria e a Instrução Normativa RFB nº 1.243, ambas de 2012, tratam de situação distinta da calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo n° 6, deste ano, que tem abrangência nacional, decorrente da pandemia global.
PUBLICIDADE
A Portaria nº 12 permite a prorrogação dos tributos federais por 90 dias para contribuintes localizados em município com calamidade pública decretada por decreto estadual. A instrução normativa, por sua vez, trata das obrigações acessórias. Há discussão, no entanto, em razão de a portaria nunca ter sido regulamentada — para a Receita não seria autoaplicável.
No começo da pandemia, algumas empresas usaram a portaria para pedir a postergação no Judiciário. Na época, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estimou que só os pedidos para adiar pagamentos com base na Portaria nº 12, de 2012, poderiam gerar um rombo superior a R$ 355 bilhões.
Algumas empresas conseguiram decisões judiciais favoráveis que depois foram reformadas, segundo advogados. E no começo de abril, a Portaria nº 139 autorizou a postergação de PIS, Cofins e contribuição previdenciária.
Na Solução de Consulta nº 131, um contribuinte alega que o surgimento da pandemia atrapalhou sua atividade de comércio atacadista, predominantemente, de produtos alimentícios. Por isso, teria dificuldades para pagar os tributos e apresentar declarações para o cumprimento das obrigações acessórias. No pedido, perguntou se poderia postergar os recolhimentos com base na Portaria nº 12.
A resposta, porém, foi negativa. “O contexto em que a referida portaria foi editada é particularmente distinto daquele ora vivenciado”, afirma a Cosit por meio da solução de consulta. A norma, acrescenta, está voltada a situações pontuais, que abranjam determinadas delimitações territoriais compostas, no máximo, por alguns municípios, e não todo o Estado.
A portaria e a instrução normativa, diz o órgão, foram formuladas em razão de desastres naturais localizados em determinados municípios, o que é diferente de uma pandemia global. Já no aspecto normativo, destaca, não se confunde uma calamidade municipal reconhecida por decreto estadual com uma calamidade de âmbito nacional reconhecida por decreto legislativo.
A Solução de Consulta Disit nº 4.025 vai no mesmo sentido. Reforça que a Portaria nº 12 e também a Instrução Normativa nº 1.243, ambas de 2012, não se aplicam ao caso.
As empresas tentaram usar a portaria antes de o governo prorrogar o pagamento de tributos. E para abranger outros, além de PIS e Cofins, como IPI e contribuição social.
Como a PGFN e a Receita não se manifestavam sobre a prorrogação, as empresas foram ao Judiciário. É curioso esse posicionamento da Receita de que uma enchente possibilita a prorrogação de tributos por 90 dias, mas uma pandemia global não.
É lembrado que no começo da pandemia, houve “desespero” das empresas. As liminares, mesmo com a revogação posterior, já deram um ganho de tempo importante em um momento de queda de receitas.
Esse posicionamento da Receita já era esperado, segundo Vinicius Jucá. Os juízes, afirma, começaram a negar os pedidos com base em decisão do ministro Dias Toffoli de que não cabia ao Judiciário determinar a postergação de tributos. “Em termos de política tributária eu entendo a decisão [do Toffoli] e as soluções de consulta, mas juridicamente a portaria deveria se aplicar para tudo.”
Fonte: Valor Econômico 24.10.2020
Comentários