Dentre os incontáveis projetos de reforma tributária em curso no Congresso Nacional, o elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), tendo à frente o economista Bernard Appy, foi encampado pela Câmara dos Deputados e apresentado em 3 de abril pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP), tendo recebido o número PEC 45/2019, e ora se encontra a caminho da Comissão Especial. Trata-se de um projeto ousado, que busca reformar todo o sistema de tributação sobre o consumo, criando uma espécie de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), nos moldes europeus, que no projeto foi batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), unificando cinco tributos: PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS. Existem diversos aspectos para debate sobre sua constitucionalidade que passaram pelo primeiro crivo, o da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que aprovou o parecer do relator, deputado João Roma (PRB-BA). Um dos pontos centrais do debate diz respeito à cláusula pétrea do federalismo, que comentei em outra coluna.
Outro projeto está sendo elaborado no âmbito do Poder Executivo, tendo à frente o economista Marcos Cintra, atual secretário da Receita Federal, que o apresentará “em vinte dias” e que visa unificar alguns tributos federais, IPI, PIS e Cofins, reduzir o imposto sobre a renda e modificar a sistemática das incidências sobre a folha de pagamento.
Os dois projetos têm em comum o fato de serem PEC, isto é, proposta de emenda constitucional, que terá que ser discutida e votada na Câmara e no Senado Federal, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (artigo 60, parágrafo 2º, CF).
Em meio à recessão que estamos vivendo, isso demandará um tempo precioso, ainda mais porque o projeto Appy/Rossi prevê um prazo longuíssimo para sua completa implantação, e o projeto Cintra aguarda a aprovação da reforma da Previdência, que não terá o condão de reanimar nossa atividade econômica de imediato e deverá prever um prazo dilargado para sua efetiva implementação — isto é, caso sejam aprovados. Tais propostas, dentre outras semelhantes, produzem um clima de insegurança jurídica que é prejudicial à economia.
A proposta que ora apresento visa ativar a economia de imediato, sem maiores delongas ou prazos a perder de vista, e seguramente terá a aprovação mais ágil nas Casas Legislativas.
No que consiste esta proposta?
Trata-se de imediatamente alterar diversas normas infraconstitucionais, mantendo a segurança jurídica que tanto se almeja, pois todas as alterações que abaixo apresento são de mais fácil aprovação no Congresso, uma vez que para alteração de leis ordinárias é necessário apenas maioria simples, e no caso de alteração de leis complementares é necessária maioria absolutado parlamento (artigo 69, CF), o que também vale para estados e municípios.
Parto daquele velho ditado sempre repetido por Geraldo Ataliba: imposto bom é imposto velho. Logo, enquanto tramitam de forma lenta as propostas de emenda constitucional, deve-se, de imediato, alterar alguns pontos da legislação, que passo a expor de forma exemplificativa.
Para simplificar nosso sistema tributário, evitando as quase 2 mil horas de trabalho gastas preenchimento de obrigações acessórias, o que consome cerca de R$ 60 bilhões por ano, basta sistematizar a coleta de informações fiscais, muitas vezes repetidas e redundantes, e reduzir a complexidade de PIS, Cofins e ICMS, nos quais se tem quase uma sistemática de apuração para cada segmento econômico.
Para reduzir a carga tributária, pode-se pensar em rebaixar fortemente as alíquotas dos tributos atuais e das multas aplicadas. Apenas no âmbito federal existem: a) multa de ofício = 75%; b) multa isolada = 50%; c) multa qualificada = 150%; e d) multa agravada = majoração em 50% dos valores anteriores, em situações específicas. E, se formos olhar com lupa a legislação de estados e municípios, encontraremos disparidades semelhantes. A proposta é reduzir as multas para o mesmo patamar que são dispostas nos Programas de Parcelamentos Especiais da União, estados e municípios — os diversos Refis, que devem cessar, caso essa proposta seja adotada. E reduzir as alíquotas dos tributos atuais; afinal, é inadequado cobrar tanto de PIS e Cofins, que incidem sobre o faturamento das empresas, sufocando-as, pois são devidos independente de terem ou não lucro ao final do período de apuração.
É necessário também eliminar algumas aberrações tributárias que são criadas por todos os entes federados, como se vê nessas exóticas imposições, citadas apenas de forma exemplificativa:
a) Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM), criadas pelos estados de Minas Gerais, Pará e Amapá (que se encontram em debate no STF: ADIs 4.785, 4.786 e 4.787);
b) Taxa de Fiscalização de Recursos Hídricos (TFRH), criada pelo estado do Pará (em debate no STF através da ADI 5.374);
c) Taxa de Fiscalização do Petróleo e Gás, criada pelo estado do Rio de Janeiro (contestada no STF: ADIs 5.512 e 5.480);
d) tributação através do Fundersul, criado pelo estado de Mato Grosso do Sul;
e) no mesmo sentido o Fethab, criado pelo estado de Mato Grosso;
f) a União cobra encargos setoriais que bem poderiam ser reduzidos, como o Tust e o Tusd, que oneram as operações envolvendo energia elétrica;
g) a Lei Complementar 110 prevê a cobrança de contribuição social de 10% sobre o montante de todos os depósitos efetuados na conta do FGTS do empregado, no momento da despedida sem justa causa, e esse montante segue direto para o caixa da União, sem que se mantenha o fundamento inicial utilizado para sua cobrança. Os exemplos poderiam se multiplicar em todos os níveis federativos, até mesmo porque diversos municípios já cobram taxas semelhantes, também de duvidosa constitucionalidade.
Para evitar tais aberrações, deve-se alterar o CTN para criar critérios rigorosos para a cobrança de taxas de fiscalização, passando a ser necessário que haja correspondência garantida por estudos prévios e pela suspensão da cobrança em caso de reiterado superávit. Além disso, responsabilizar governantes (Poder Legislativo e Executivo) que criarem exigências consideradas inconstitucionais, aplicando-lhes a pena de inelegibilidade por prazo determinado.
Outro exemplo é acabar com a sistemática de substituição tributária, o que não geraria maior problema em face da tecnologia digital que já existe e está implantada (como o Sped Fiscal). Voltaríamos a ter a velha e boa sistemática normal de apuração dos tributos.
Nessa linha, deve-se também rever o processo de cobrança da dívida ativa, criado em 1980 e, a despeito de algumas alterações pontuais, permanece bastante emperrado. Nesse sentido, é necessário ampliar as possibilidades de negociação e reduzir seu custo. Deve-se sempre manter o Poder Judiciário à frente do processo para evitar os abusos quotidianos que ocorrem.
Penso que tais medidas infraconstitucionais, citadas de forma assistemática, podem dar um rumo a ser seguido sem que seja necessário, tal qual na música do Chico, esperar o trem que já vem..., que já vem..., que já vem...
Confesso, contudo, que existe uma alteração constitucional que gostaria de ver aprovada e que, infelizmente, não está em debate em nenhum dos projetos em discussão, que é a da redução do poder de tributar do Poder Executivo. Pela Constituição atual (artigo 62), em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá editar medidas provisórias. Consta ainda que:
§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
b) direito penal, processual penal e processual civil;
§2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
Pois bem, a proposta constitucional que gostaria de ver aprovada seria para modificar o texto acima para a seguinte redação, cuja alteração consta em itálico:
§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
b) direito tributário, penal, processual penal e processual civil;
§2º Só será admitida medida provisória em matéria tributária nos casosprevistos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, a qual só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
Com isso, penso que o nosso Poder Legislativo retomaria em suas mãos o efetivo poder de tributar, que em nenhuma democracia do mundo se encontra no Poder Executivo, tal como ocorre no Brasil. Essa é a PEC que me parece imprescindível sobre matéria tributária. Nada a ver com a ideia de parlamentarismo branco tão em voga hoje em dia, e nem está contemplada na PEC 43/2019, dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), dentre outros. É esdrúxulo manter tal poder nas mãos do presidente da República — sejam os anteriores, o atual ou os futuros. O poder de tributar equivale ao poder de destruir, conforme disse John Marshall (1755-1835), também juiz da Suprema Corte dos EUA, no caso McCulloch v. Maryland, e é necessário que esteja nas mãos do Legislativo. Tenho certeza de que essa PEC seria aprovada pelo atual Congresso com muita facilidade e agilidade.
Estou seguro de que essa proposta de pacote tributário desonerativo e simplificador desafogaria as forças econômicas de mercado, que hoje têm tanta insegurança jurídica, em face da profundidade de alterações que estão sendo apresentadas em um tema de todo nevrálgico para a economia e a população em geral.
A bem da verdade, o correto seria discutirmos uma reforma financeira, envolvendo receitas e despesas públicas, e não meramente uma reforma tributária, que trata apenas das receitas públicas — mas isso é prosa para outra coluna.
Fica a proposta para debate.
Fonte: Consultor Jurídico - 17.06.2019
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