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Julgamentos virtuais do STF e o direito tributário

Foto do escritor: Fabrizio CaldeiraFabrizio Caldeira

O direito tributário foi significativamente impactado nos últimos anos pela mudança da metodologia de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Inúmeros temas que estavam, há anos, à espera de um desfecho foram enfrentados e definitivamente decididos no ambiente virtual (plenário virtual).


O quantitativo de processos selecionados como representativos de controvérsia julgados nos últimos anos realmente impressiona: em 2019, por exemplo, foram julgados 4 temas de repercussão geral em que a Fazenda Nacional era parte, ao tempo em que em 2020 – com a ampliação do alcance do plenário virtual – foram julgados 52 temas. No cenário pré-pandemia constava a pendência de mais de 120 temas em direito tributário federal, e hoje remanescem apenas aproximadamente 30.


Não se pode negar que a definição da posição do STF mediante a edição de precedentes vinculantes confere estabilidade, unidade do direito e segurança jurídica às relações tributárias, valores perseguidos pelo texto constitucional. No entanto, apesar dos inúmeros pontos positivos que podem ser identificados em virtude da ampliação do uso do plenário virtual pelo STF, existem ainda questionamentos sobre o impacto dessa metodologia deliberativa no direito fundamental ao contraditório e à participação dos jurisdicionados. Para bem avaliar tal problema de pesquisa, é indispensável conhecer de perto como se desenvolve o julgamento virtual no STF.


O ano era 2007 e, via emenda regimental 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, tinha início o emprego de um mecanismo de apreciação de ações e recursos pelo tribunal: um sistema eletrônico destinado ao registro e à contagem dos votos. Inúmeras alterações por emendas regimentais do RISTF foram promovidas na sistemática do julgamento eletrônico desde então, merecendo especial menção a ER 53/2020, que ampliou – no contexto da pandemia – as hipóteses de julgamentos virtuais, para permitir o alcance de todas as espécies de ações e recursos de competência do tribunal.


Atualmente, as duas formas de julgamento coexistem, presencial e virtual, sendo possível que qualquer deliberação do STF ocorra por uma das duas. No primeiro, há a presença – física ou remota – de forma síncrona dos ministros que compõem a turma ou o plenário, no formato já há muito conhecido das sessões de julgamento, com a possibilidade de sustentação oral das partes presencialmente ou por videoconferência.


No segundo, o espaço deliberativo é integralmente virtual e assíncrono, com a disponibilização do relatório e do voto do ministro relator à 0:00 do dia marcado para o início do julgamento, cabendo aos demais ministros acompanhar ou divergir dentro do prazo, em regra, de seis dias úteis daquela sessão virtual, sempre com a possibilidade de juntar declaração de voto com as razões que formaram a sua convicção. Há, também, a possibilidade de sessão virtual extraordinária, cujo prazo pode ser de 24 horas. Ao longo da sessão virtual, os votos são publicizados assim que o ministro lança sua manifestação no sistema, de maneira que as partes podem acompanhar em tempo real o caminhar da votação.


Nos termos do Regimento Interno, os julgamentos poderão ocorrer no meio eletrônico, inclusive para ações originárias e de controle concentrado e, também, para recursos representativos de controvérsia. A opção entre os dois modelos de julgamento fica a cargo do ministro relator e, uma vez iniciado o julgamento no ambiente virtual, o processo pode receber “pedido de destaque” de qualquer ministro para que seja objeto de apreciação no formato presencial. Essa providência implicará a publicação de nova pauta e reinício do julgamento, mantidos apenas os votos já proferidos por ministros aposentados ou afastados, nos termos da Questão de Ordem decidida na ADI 5399, em 9 de junho de 2022. Reiniciado o julgamento, as partes, o Ministério Público e os amici curiae poderão renovar as sustentações orais, agora presencialmente ou por videoconferência.


Situação distinta ocorre com o “pedido de vista” no ambiente virtual. Nesse caso, o julgamento será suspenso e, devolvida a vista, prosseguirá também no ambiente virtual. Nada impede, porém, que o ministro vistor peça para devolver a vista em sessão presencial, situação em que o julgamento prosseguirá de onde parou. Em ambas as situações, portanto, não haverá nova oportunidade de sustentação oral pelas partes, Ministério Público ou amici curiae.


Na sistemática do julgamento virtual, é possível o envio de sustentações orais (quando cabíveis). Estas últimas são gravadas pelas partes e encaminhadas por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento. O relatório, os votos e todas as sustentações orais são disponibilizados para conhecimento público, quando do início da sessão de julgamento.


Ainda assim, um ponto sensível objeto de crescente discussão doutrinária e entre os operadores do direito refere-se à capacidade desse sistema de observância ao direito fundamental ao contraditório e à participação dos jurisdicionados. Indaga-se, por exemplo, sobre o alcance das sustentações orais gravadas, ou seja, se estas chegam a ser efetivamente assistidas em sua integralidade pelos destinatários e se são capazes de influenciar o resultado do julgamento. Outro ponto suscitado nesse contexto cogita que os debates entre os ministros seriam reduzidos ou mitigados nesse ambiente, quando comparados com o julgamento presencial.


Tais preocupações, de fato, descortinam um relevante questionamento em relação ao primado do contraditório, e se este estaria sendo, de alguma forma, fragilizado ou reduzido nos julgamentos ocorridos em ambiente virtual. Trazemos algumas ponderações que merecem ser levadas em consideração no particular.


Muito embora o julgamento presencial já permita a realização de sustentações orais por videoconferência, a demonstrar significativa democratização da prerrogativa, a possibilidade de envio por meio eletrônico dessa sustentação nos casos de plenário virtual também ajudou a ampliar o acesso ao tribunal, não mais restrito às bancas de advocacia que podiam arcar com os custos de envio e manutenção dos patronos ao tribunal físico em cada sessão de julgamento. Atualmente, qualquer advogado pode sustentar de qualquer parte do país.


Ademais, os advogados podem atuar ativamente durante a sessão de julgamento virtual, de sorte a aumentar as chances de contribuir para a formação da convicção dos ministros. Uma vez proferido e divulgado o voto do ministro relator, há a possibilidade de envio de memoriais complementares e esclarecimentos de fato à Corte, a permitir a intervenção em tempo real ao longo do julgamento, possibilidade muito improvável nos fóruns presenciais, mormente quando há conclusão e resultado proferido no mesmo dia em que a votação foi iniciada.


Pesquisa de diagnóstico realizada pelo Supremo Tribunal Federal e recentemente divulgada revela que, após o início da pandemia e a universalização do emprego do plenário virtual para todas as espécies de ações e recursos de competência da Corte, foi constatada uma ampliação do número de acórdãos não unânimes, ante o aumento da proporção de julgamentos em que houve pelo menos um voto dissidente do ministro relator. Por certo que as razões e os fatores que contribuíram para essa recente diversificação dos fundamentos expostos nas decisões ainda merecem ser objeto de estudo e definição, mas o dado guarda relevância para auxiliar na análise da qualidade deliberativa do formato virtual, ante a evidência da possibilidade de ser possível apresentarem-se contrapontos aos argumentos do voto do relator.


O plenário virtual representa, portanto, uma ferramenta de julgamento com inovações importantes que permitiram ao STF analisar os temas submetidos ao tribunal e dar conta de um passivo crescente, tanto no tocante ao exame da existência de repercussão geral, quanto do mérito, que viabiliza a orientação da Suprema Corte de como o jurisdicionado pode pautar suas decisões e condutas. Se queremos que o STF confira tantas respostas à sociedade, é preciso que tenha instrumentos para que apenas 11 ministros possam cumprir tal papel.


Não se está aqui a afirmar que a ampliação da segurança jurídica e a eficiência da entrega da prestação jurisdicional resultantes da intensificação dos julgamentos e da definição de precedentes são respostas capazes de suplantar a necessidade de valorização do contraditório e da participação, longe disso. O que se pretende é ampliar o debate, e trazer reconhecimento aos avanços inegavelmente implementados pela sistemática. Como tudo que é novo, a prestação jurisdicional preferencialmente eletrônica precisa de cuidados para seguir evoluindo e se aperfeiçoando, mas não há como retroceder.


Fonte: Jota

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