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Foto do escritorFabrizio Caldeira

ICMS sobre combustíveis “é um disparate”

Para o ex-diretor da ANP Décio Oddone, diferença de alíquotas entre Estados gera sonegação.


O ICMS sobre combustíveis, tal como cobrado pelos Estados, é um imposto "absolutamente disfuncional" e a diferença de alíquotas do tributo entre os Estados é um convite à sonegação, segundo o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Décio Oddone. Ele considera bem-vinda a proposta de mexer no ICMS sobre os derivados de petróleo e de se reduzir a alíquota do imposto.


"Como é que se pode ter um produto essencial como o diesel tributado com alíquota superior a 20%?", indaga. Sobre a gasolina, a alíquota é de 34%. E, para ter a dimensão do tamanho das distorções, a diferença entre as alíquotas do ICMS sobre o etanol no Rio de Janeiro (que é de 32%) e São Paulo (onde a alíquota é de 12%) chega a 20 pontos percentuais. Isso gera toda a sorte de notas frias, passeio de notas fiscais, enfim, de sonegação.


Diferença de alíquotas entre Estados gera sonegação, diz Oddone.


Durante seu período à frente da ANP, entre dezembro de 2016 e março de 2020, Oddone conta que fez da reforma do ICMS sobre combustíveis uma de suas "cruzadas". Ele defendia uma única alíquota, assim como um Preço Médio Ponderado Final (PMPF) em reais, e não em percentual. O PMPF é uma referência para o preço dos combustíveis e também varia de acordo com o Estado.


Por trás de um debate aparentemente político, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro e os 27 governadores, há questões técnicas relevantes a serem resolvidas. "Tal como é cobrado o ICMS sobre os combustíveis é um disparate", avalia Oddone, atualmente presidente da Enauta (empresa de petróleo e gás). Se tivesse uma alíquota única de ICMS, se teria uma inibição da sonegação. E com o valor em reais evita-se a situação em que o imposto é um alavancador de aumentos ou de reduções do preço.


"Precisamos urgentemente melhorar a cobrança e reduzir a alíquota do ICMS", diz ele.


Ao mesmo tempo em que se procura resolver as mudanças no ICMS sobre combustíveis no Congresso, nutre-se, em certos grupos políticos, a expectativa de algum tipo de controle de preços na Petrobras para o diesel, o gás de cozinha e para a gasolina. Trata-se de uma preocupação eleitoral.


"O que se tentou fazer em várias partes do planeta e nunca deu certo foi controlar preço de commodities", salienta Oddone. O que resta, conceitualmente, para os governos fazerem é o nível de tributação. A Europa tributa mais a gasolina do que o Brasil e os Estados Unidos tributam menos. Isso decorre de políticas públicas, que são prerrogativas do governo.


"Eu sou contra subsídios, por exemplo. Acho que deveríamos usar o excedente da arrecadação [decorrente do aumento de preços dos derivados] para mitigar os efeitos da inflação sobre os menos favorecidos", diz ele.


Outro aspecto que Oddone chama a atenção é para o fato de raciocinarmos, no Brasil, com o pensamento do passado. Nos anos 70, o Brasil importava alimentos e petróleo. Ali quebramos na segunda crise do petróleo em 1979, quando o Paul Volcker, do Federal Reserve, subiu os juros e levou à falência parte do mundo endividado.


Naquele período, preços altos das commodities eram um drama para o país. Hoje não são mais. A nossa situação é muito diferente. Somos uma potência de commodities. Antes, nos anos 1980, éramos duplamente penalizados: pela inflação e pelo balanço de pagamentos. "Hoje, como somos exportadores de commodities, ficamos mais ricos. Somos penalizados com mais inflação. Mas, daí, deveríamos aumentar a transferência de renda para os mais pobres como forma de mitigar a pressão inflacionária", advoga.


É hora de "olhar para frente sobre como é que nos beneficiamos sendo produtores de commodities, cujo ciclo de preços deve durar ainda mais, e sendo do grupo de países produtores e exportadores de energia renovável", aponta ele.


O orçamento dos Estados e do governo federal deve ter sido feito com o preço do petróleo em torno de US$ 70 o barril e hoje está em mais de US$ 120, tem efeito riqueza, tem mais dinheiro disponível.


Para ter uma ideia do impacto da taxa de câmbio sobre o preço do combustível, o petróleo estava cotado a pouco mais de US$ 100 o barril em 2011. A taxa de câmbio rondava R$ 1,67, o que resultava em um barril a aproximadamente R$ 167. Hoje com o barril cotado a US$ 122 e a taxa de câmbio em torno de R$ 4,80, o petróleo custa cerca de R$ 585,6 o barril.


"É o câmbio, mais do que o preço internacional, o que está pesando", diz Oddone.


Outra questão é o preço do refino. Era de, historicamente, US$ 10 o barril e hoje está em US$ 60. Essa margem nunca foi tão alta, por causa da redução da oferta de refinarias que foram fechadas na Europa e nos Estados Unidos. Na China, na Índia e no Oriente Médio a capacidade de refino está aumentando. Mais distantes do Brasil, que costuma comprar do golfo do México, ficará mais cara a importação. O preço aparente para o consumidor, portanto, saltou de US$ 130 ou US$ 140 para a casa dos US$ 180 o barril.


Como se vê, trata-se de um assunto complexo que merece uma visão de mais longo prazo que aborde as questões técnicas. Não é possível mantê-las mascaradas por disputas políticas.


Fonte: Valor Econômico


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