Quando do julgamento do Tema nº 69 [1] de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) demorou mais de quatro anos entre a decisão de mérito [2] e a modulação de efeitos [3], momento em que definiu que a exclusão do ICMS sobre a base de cálculo do PIS e da Cofins deve se operar para fatos geradores ocorridos somente após 15/03/2017 [4], ressalvadas as ações judiciais e os processos administrativos protocolados até aquela data.
De outro lado, após 15/3/2017, muitos foram os contribuintes que propuseram ações judiciais para obter o direito de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e de compensar os valores pagos a esse título nos cinco anos que antecederam a propositura das ações. Muitas dessas ações tiveram decisões de procedência, sem limitação temporal (por terem sido proferidas antes de o STF fixar a modulação de efeitos).
Nos casos das ações com trânsito em julgado, a Fazenda Nacional vem ajuizando ações rescisórias para adequá-las ao decidido pelo STF no julgamento final do Tema 69 (ou seja, aplicando a modulação de efeitos). Defende a Fazenda que as decisões que reconheceram o direito ao crédito dos contribuintes para fatos anteriores a 15/03/2017 e cujas ações judiciais foram ajuizadas após aquela data estariam violando norma jurídica, de modo que a ação rescisória encontraria amparo no artigos 966, inciso V, c/c 535, inciso III, §§5º e 8º, do Código de Processo Civil.
Esse entendimento vem sendo acolhido pelos Tribunais Regionais Federais da 4ª [5] e da 5ª [6] Região, os quais vêm decidindo pela rescisão parcial nos casos de contribuintes que ajuizaram ações judiciais após o marco temporal definido pelo Supremo Tribunal Federal (15/07/2017), ainda que as decisões tenham transitado em julgado anteriormente à modulação de efeitos (13/5/2021).
Ocorre que a alegada violação à norma jurídica impõe que o texto legal e os precedentes dos Tribunais Superiores sejam vigentes à época em que proferida a decisão rescindenda. É que o cabimento da ação rescisória se limita aos casos em que a decisão rescindenda, baseada em precedente, não tenha levado em conta a distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento, sendo, inclusive, impositivo ao autor demonstrar a distinção fática da hipótese ou a questão jurídica não analisada. Ou seja, é necessário que o precedente já exista à época da formalização da decisão rescindenda.
Por isso, o STF fixou teses nos temas nº 136 e 343 no sentido de que não cabe a ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo seu Plenário à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra superação do precedente posteriormente; tampouco por ofensa a literal disposição em lei quando a decisão rescindenda tiver se baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
É inquestionável, nesse contexto, que o entendimento adotado pelo Supremo é de que o cabimento das ações rescisórias fundadas por manifesta violação à norma jurídica se limita às hipóteses cujos precedentes forem contemporâneos à decisão rescindenda. Ou seja, além de já existir o precedente, o julgador deve decidir contrariá-lo expressamente.
Assim, o fundamento utilizado pelos Tribunais Regionais Federais para justificar a procedência das rescisórias (artigo 535, inciso III, §§5º e 8º, do CPC) encontra-se rematadamente equivocado (ao menos para as decisões que transitaram em julgado antes de 15/05/2021, quando o julgamento do Tema 69 se completa e, no exame de embargos de declaração, se fixa a modulação de efeitos que até aquela data simplesmente não existia).
Veja-se, em reforço, que, recentemente, o STF julgou a ADI nº 2.418, na qual enfrentou a constitucionalidade do artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973, cuja matéria recebeu tratamento normativo semelhante nos artigos 525, §§12 e 15, e 535, inciso III, §§5º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015. Nessa oportunidade, o STF decidiu que a rescisória por manifesta violação à norma jurídica somente é cabível nas hipóteses em que a declaração de (in)constitucionalidade decorra de julgamento do Plenário do STF realizado anteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda [7].
Da mesma forma, o Supremo deixou claro esse entendimento ao julgar o Recurso Extraordinário nº 590.809, cuja controvérsia se cingia ao cabimento de rescisória por alteração jurisprudencial do STF. Nesse precedente, consignou a Suprema Corte que tal ação não serve para uniformização de jurisprudência, devendo incidir a tese fixada no Tema nº 343/STF sempre que, inexistindo controle concentrado de constitucionalidade, existam diferentes entendimentos sobre o tema.
Portanto, para as ações judiciais propostas após 15/03/2017, cujas decisões que declararam o direito dos contribuintes a crédito do ICMS sobre a base de cálculo do PIS e da Cofins transitaram em julgado anteriormente à modulação de efeitos do Tema nº 69/STF, é flagrante o não cabimento da ação rescisória. Assim, é muito provável que a maioria das decisões dos Tribunais Regionais Federais da 4ª e da 5ª Região envolvendo as ações rescisórias aqui tratadas sejam reformadas pelos Tribunais Superiores.
[1] Tema nº 69/STF: O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.
[2] Proferida em 15/03/2017.
[3] Proferida em 13/05/2021.
[4] Data em que a decisão de mérito foi proferida.
[5] TRF4, ARS 5046194-86.2021.4.04.0000, Primeira Seção, relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 11/03/2022.
[6] Processo: 08083892720214050000, Ação Rescisória, Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro, Pleno, Julgamento: 23/02/2022.
[7] STF – ADI: 2418 DF, relator: Teori Zavaski, Data de Julgamento: 04/05/2016, Tribunal Pleno, Data da Publicação: 17/11/2016.
Fonte: BBC Consultoria
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