Estímulos à economia verde são incorporados à reforma tributária; veja quaisEste trecho é parte d
- Fabrizio Caldeira
- 3 de jul. de 2023
- 4 min de leitura
Relator incluiu mecanismos para estimular produtos mais sustentáveis
Ponto central na política do governo Lula (PT), a preocupação com o meio ambiente foi incorporada à reforma tributária pelo Congresso. O parecer do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) incluiu mecanismos para estimular a economia verde e produtos mais sustentáveis, como o “IPVA ecológico” e a taxação adicional a itens que causem prejuízos ambientais.
Ficou de fora, no entanto, a promessa do grupo de trabalho de que o sistema tributário terá como diretriz o “equilíbrio socioambiental” — o que poderia ampliar a discussão para todos os impostos, e não apenas para aqueles tratados na proposta.
O parecer preliminar, apresentado há uma semana, tem quatro mecanismos com esse objetivo. O principal é que o Imposto Seletivo (IS) incidirá sobre bens e serviços que façam mal à saúde “e ao meio ambiente”. Outra inovação é que o Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) poderá ser progressivo “em função do impacto ambiental” do carro, moto, caminhão e, a partir da reforma, das embarcações e aviões. Com isso, os Estados poderão cobrar alíquota menor daqueles menos poluentes e ampliar a carga sobre os com maiores emissões.
Além disso, a reforma prevê que o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) priorizará ações de preservação do meio ambiente na distribuição dos recursos (negociados em pelo menos R$ 40 bilhões por ano) e que, “sempre que possível”, a concessão de incentivos regionais considerará critérios ambientais.
As mudanças foram defendidas pelos deputados Sidney Leite (PSD-AM) e Tabata Amaral (PSB-SP) no grupo de trabalho da Câmara e incorporadas, mesmo que parcialmente, ao texto substitutivo. O relatório previa também que o “equilíbrio socioambiental” seria um dos objetivos do sistema tributário brasileiro, o que poderia levar a discussão no futuro para os demais impostos, mas isso não entrou na PEC.
Alguns pontos ainda geram debates e só serão decididos na futura lei complementar que regulamentará a reforma. A incidência do imposto seletivo é um deles. Tabata defende que o IS sirva para criar a taxação sobre o carbono nos moldes debatidos na Europa, África e América Latina.
“A União Europeia decidiu cobrar o imposto sobre carbono lá se os países de origem não cobrarem. É um exemplo claro de que o Brasil começará a perder dinheiro e competitividade se não fizer esse debate”, afirmou. “Poderíamos ter sido mais ousados, mas pelo menos essa porta não se fechou. E melhorando o texto a gente tem totais condições de fazer esse debate por um PLP [projeto de lei complementar]”, diz.
O secretário especial do Ministério da Fazenda para a reforma, Bernard Appy, contudo, posicionou-se contra a proposta e afirmou que prefere que o IS incida apenas sobre cigarro e bebidas alcoólicas. Para ele, o modelo adotado na PEC, em que os combustíveis fósseis terão alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) maior do que a dos biocombustíveisé mais eficiente por afetar apenas o consumidor final e não o custo das empresas. O imposto sobre carbono europeu, justificou, exige subvenção às exportações para poder tributar as importações de onde não existe este tributo. “E aí gera uma grande complexidade”, critica.
Pós-doutoranda em direito tributário, a professora da FGV Hadassah Santana afirma que a reforma, pela primeira vez, teve um olhar ambiental, o que deve ser destacado, mas que PEC precisa de ajustes. Ela sugere acrescentar que o IS incidirá também sobre a “extração” de bens, serviços “e direitos”, termos que permitiriam debater no Brasil a taxação sobre carbono e sobre os malefícios da inteligência artificial. “Não precisa que o Brasil tribute agora, mas não pode ter vedação ou, no futuro, podemos precisar de uma nova PEC para assinar acordos internacionais", antecipa. “Na Europa, já se discutem os aspectos negativos da tecnologia para o meio ambiente, como extração de metais pesados e uso muito alto de energia, geralmente de fontes não renováveis, para gerar a inteligência artificial e mineração digital.”
O IS sobre energia elétrica constava na PEC 110, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (Pode-PR), uma das que embasaram o texto de Ribeiro. O diretor institucional e jurídico da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Wagner Ferreira, admite que há esse risco, mas que não acredita que seja o espírito do IS. “O Congresso e o Supremo Tribunal Federal já decidiram ano passado que energia é um bem essencial. É impensável que a gente dê dez passos para trás agora”, afirmou. O segmento pede, inclusive, alíquota menor do IVA “para tornar o sistema tributário mais justo”.
Presidente-executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda elogia a preocupação com a economia verde na reforma, mas sugere para direcionar recursos do FDR para as cadeias produtivas do setor e que fique claro que o IS não será cobrado sobre “atividades relacionadas à bioeconomia”. “Se colocar que a biotecnologia é prejudicial ao meio ambiente, como se fala no caso dos transgênicos, você pode travar a biotecnologia e a bioindústria no país”, diz.
O IS verde também encontrou um ruído político pela frente. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendeu nas redes sociais semana passada que o imposto pode incidir até sobre picanha, embora isso não esteja em debate, e cobrou que os deputados de direita rejeitem o projeto. “Os ‘doutores’ petistas resolveram, para o bem da nossa saúde e do planeta, nos cobrar mais impostos”, afirmou. “Pelo exposto, o aumento da carga tributária, ora previsto, nos levará à uma queda de produtividade no campo, ao fechamento de fábricas, menos comércio, mais desemprego e inflação.”
Fonte: Valor Econômico
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